quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Ensaio para uma nova cena.


Preciso escrever.
Depois de uma hora e meia de conversa interminável, interrompida pela bateria do celular que não entende o quanto nos precisamos.
            Sim, eu preciso dele e de todas suas conversas, seu bom humor, suas ideias malucas. Não como um amigo, mas como um suco que mata a minha sede e minha necessidade de ingerir açúcar, energia.
            Preciso também de um chá ou um café, que pergunta como estou hoje, e amanhã, e como eu estava ontem. Que me quer por perto diariamente, que me descobre e me encanta embalado por meu senso estético que dizem ser poesia.
            E preciso igualmente de uma bebida alcoólica, que eu possa descobrir todos os dias os efeitos que me causa. Um novo tom de voz, toque, olhar, sorriso, intimidade. Um segredo. Outro jeito de enxergar a vida, a calma, a chance de ouvir.
            Que cruel esse momento em que sedenta, arranco meus fios de cabelo um a um. Sentada no banco da praça, aguardando que a chuva venha para me hidratar, pretendo perder-me numa dessas bebidas, viciar-me na intenção de não mais sentir sede e curar as feridas no meu coro cabeludo.
            Queria ter todas essas sensações num mesmo copo. E neste momento arrependo-me, ainda me orgulhando por saber apreciar. Como se todos os meus órgãos, um a um, enfileirados, quisessem sair pela boca. Primeiro o coração. É o que estou sentindo agora.
            Uma confusão que aos olhos dos répteis assemelha-se a uma ilusão. Eles sobrevivem mais tempo sem beber água, eu não.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

647488


madalena disse que seu pai foi expulso da corporação.
e que ele tinha 3 pistolas frias para as ações noturnas
na periferia da cidade. madalena, chora.
"é complicado, temos que assumir ordens, tem os direitos
humanos" era o que estava na ficha do depoimento do pai
de madalena, quando caiu na corregedoria depois de
descoberto o grupo de extermínio.
ontem, morreram mais 20. tudo via arma fria. ordens vinda
do centro. não é pra deixar um vivo. se o bar tiver aberto
descarrega. não é alarme, é sinal vivo de que vem mais uma
execução em massa. uma espécie de continuação da demissão
em massa das metalúrgicas.
madalena se mata com a arma fria do pai. mais uma pra
estatística.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

palavras de viagem

nuvens desenhadas no céu
árvores verdes de frestas azuis e brancas
formam um quadro penere de paisagem
e
nos olhos de um viajante...
as lembranças que ficaram.



pirenco

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Quando os trabalhadores perderem a paciência,

Quando os trabalhadores perderem a paciência,


As pessoas comerão três vezes ao dia
E passearão de mãos dadas ao entardecer
A vida será livre e não a concorrência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Certas pessoas perderão seus cargos e empregos
O trabalho deixará de ser um meio de vida
As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

O mundo não terá fronteiras
Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências
Quando os trabalhadores perderem a paciência

A pele será carícia e o corpo delícia
E os namorados farão amor não mercantil
Enquanto é a fome que vai virar indecência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Não terá governo nem direito sem justiça
Nem juizes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências

Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca
Sem que o humano se oculte na aparência
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Depois de dez anos sem uso, por pura obsolescência
A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá:
“declaro vaga a presidência”!

Mauro Iasi.

terça-feira, 3 de abril de 2012

a função poética


A função poética distribuída por uma régua/
De metros e metros de solidão e desespero /
Uma equação de um dia inteiro/ de uma função poética
De amor/ por inteiro/
Tridimensionais/  função poética/
 Amor/ a função poética /vista de várias/
cor.

quinta-feira, 8 de março de 2012

aos que virão depois...
realmente vivo em tempos sombrios.
uma linguagem sem malicia é tola...
uma testa sem rugas implica indiferença.
aquele que ri apenas ainda não recebeu...
a terrível notícia.

Eu queria ser um sábio. Livros antigos dizem o que é sabedoria.
manter-se longe dos problemas do mundo...
e este tempo tão curto deixar passar sem
medo.
seguir seu caminho sem violência...
pagar o mal com o bem...
não satisfazer os próprios desejos, mas
esquecê-los. Isso é sabedoria.
mas não consigo agir assim. realmente...
vivo em tempos sombrios.


B. Brecht

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Certo vôo

  Cada
 pássaro
   sabe
  a rota
do retorno.

  Cada
 pássaro
   sabe
  a rota
  de si.

  Cada
 pássaro,
 na rota,
 sabe-se
 pássaro.


Damário da Cruz 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

semente em terras férteis

Quando criança fui a um enterro, não relato minha idade por falta de lembrança, sei que era jovem, uma semente em terras férteis. Lembro-me, sobretudo, do aroma dum corpo em putrefação. “assassinato. tiros” disse uma mulher ao se aproximar, eu não sabia ao certo o que isso significava; com os olhos em lagrimas e as palavras engasgadas ela continuou comentando o ocorrido: “tiros da polícia. estrada de nazaré. encontraram agora a pouco. fazia tempo que sumiu”. Só agora consigo entender...


pirenco



terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

DESPERTA, DOR


Acordei com o barulho do relógio, abri os olhos e a primeira pancada... 4:55 da madrugada. Fui ao banheiro; tomei um banho pelada, muito rápido; água e luz tá o olho da cara. No café... não vai leite, não tem em casa. Só tem café preto e forte pra me manter acordada e sair por aí apresentando a minha carta de entrada, currículo. Tenho poucas copias, tivesse muita, teria de ir a pé. O dinheiro tá contado, recontado, contadinho, pro ônibus e prum salgado de 50 centavos. Sai de casa, dia 13 de fevereiro de 2012, pisei na calçada esburacada, e como guerreira zumbi, subi até o ponto, “esperar o ônibus não é tarefa fácil,” pensei. Ponto lotado, empurra-empurra, sobe, não sobe; dentro mais lotado do que lá fora; “bom dia, motorista.” Ele não responde. Na catraca, a segunda pancada... ARMÊNIA 4,80. aumentaram a passagem. PORRA, ASSIM NÃO DÁ. Cobrador me diz uma coisa... POR QUE TUDO AUMENTA SEM NOS PERGUNTAREM SE AO MENOS QUEREMOS ? Eu não quero esse aumento. Se aceito, fico sem alimento. Essa condução tá mais cara do que o feijão. Cobrador... VAMOS DESPERTAR A NOSSA DOR !!! Preste atenção na jogada... o que você dá de lucro ao patrão, NUM SÓ DIA, paga o teu pão de todo o mês. E além do mais, o patrão não pega ônibus caro e lotado, ele anda de carro blindado com ar condicionado. Assim não dá, vamos despertar, dizer não ao aumento, não ao patrão. Vamos juntos... carona, companheiro?!!!


pirenco