sábado, 2 de julho de 2011

Escrevo de um cárcere

Estou preso e com raiva; muita raiva. Aguardo a injeção que me tirará a vida. Não sei o que me deu na cabeça para escrever estas palavras... Talvez seja o desejo de não estar sozinho. As palavras são boas companhias. Tudo que sairá desta caneta creio que não será lido por nenhum mortal; caso isso não aconteça, e um inocente de alma propuser-se a ler o que escrevo, sugiro desde já: não me julgue pela pessoa que sou, e sim pelo amor a profissão que tive e posso dizer... Ainda tenho, mesmo nesta prisão com pouco espaço e quente; talvez a quentura não seja da cela e sim do meu corpo raivoso que aguarda o final.
Sempre fui um homem dedicado, exercia as funções que me eram dadas com o maior empenho possível. Quando criança, não via a hora de chegar da escola e fazer o dever de casa; quando terminava era a sensação mais prazerosa que podia sentir. Talvez o inocente leitor não sinta prazer em realizar uma tarefa destinada, está aí leitor, a nossa diferença. Creio que está ansioso para saber o motivo que me trouxe a este lugar, pequeno e agora frio. Mas digo-lhe, acalme-se, logo chegarei ao ponto que sua alma deseja.
Acalme-se. Acalme-se, deixe que meu corpo esfrie mais ao contar-lhe sobre minha mocidade. Quando tinha por volta dos meus quinze anos, as brincadeiras para mim eram de verdadeiro deleite – aquelas que eu brincava comigo mesmo. Nunca tive amigos, criar personagens imaginários e depois desejar matá-los, criando formas para isso, era a minha mais pura diversão. Meus pais... Prefiro não escrever sobre eles; Talvez o inocente leitor deva estar se perguntando: Por que não fala sobre os pais? Digo-lhe que sou mais forte, para encarar o fim, se estiver sozinho.
Quando atingi a idade para trabalhar, fui ao encontro da profissão que se enquadraria com a minha personalidade. Foi perfeito, amor à primeira vista, um grande e equipado matadouro de animais. A euforia era tanta que não me importei com o quanto iriam me pagar; o que eu queria era o mais rápido possível trabalhar. Foi assim, inocente leitor, que encontrei a profissão perfeita e logo comecei a amá-la. Na minha vida era morte e mais morte; todos os dias dezenas de animais passavam pelas minhas mãos. Eu era o mais dedicado profissional do matadouro. Até mesmo nos dias de folga não conseguia ficar sem matar, por isso trabalhava.
Depois de vinte anos de profissão... Fui dispensado das atividades. “Malditos sejam os vegetarianos” foi o que o meu patrão alegou justificando a minha dispensa. Inocente leitor, você não é vegetariano, não é?! Se for... interrompo aqui minha narrativa, pois você me trouxe a esta cela, agora quente. Quente de raiva.
Não! Creio que você não é a causa do meu fim. Continuarei.
Quando sai pela última vez do lugar que representava o céu vermelho mais lindo, estava – como agora – tomado de raiva, queria mostrar o meu trabalho, mostrar o quanto era bom na arte de matar; e para isso fui à casa do meu ex-patrão lhe mostrar o quanto a profissão me ensinou.
Toquei a campainha...duas ou três vezes, abriram a porta, era uma senhora de muita idade, talvez fosse sua mãe e logo atrás uma criança curiosa que a perguntava “Quem é vovó?” Identifiquei-me como funcionário e amigo do dono do matadouro. Pediram-me para entrar e aguardar a sua chegada. Entrei recusando o chá oferecido, sentei-me sentindo forte vontade de matá-las – queria mostrar ao ex-patrão, quando chegasse, o quanto aprendi. Fui rápido e eficiente como de costume. Ao sair deparei-me com o ex-patrão, ou pai, ou filho, como queira inocente leitor; e ao me ver com as mãos vermelhas saindo de sua casa, agarrou-se a mim pondo-me imobilizado no chão, chamou os vizinhos que logo notaram o que acontecia e... Ó leitor, este fato me deixa com raiva a ponto de interrompe as palavras.
Pronto! Estou aqui... Preso e com raiva, aguardando o meu fim.


pirenco

Um comentário:

Danilo Cruz disse...

“Malditos sejam os vegetarianos” , "Maldito patrão", etc. este é um texto cheio de seres malditos! E o autor consegue colocar o calor dessa maldição na frente de cada personagem, que vai morrendo toda vez que cruza com a raiva do matador.

De lascar o conto Pireco!