sexta-feira, 29 de julho de 2011

Jesus Trotsky, mais do que bom

A mãe, católica fervorosa, queria que ele se chamasse Jesus Nazareno. O pai, materialista convicto, optara por Leon Trotsky. Discutiram, e o menino acabou recebendo, na pia e no cartório o nome de Jesus Trotsky da Silva. Foi difícil convencer o padre a batizá-lo com esse nome. Também não foi fácil fazer a funcionária do cartório grafá-lo corretamente.
O pai era marceneiro dos bons, com curso no Senai. Trabalhara sempre em uma boa empresa e ganhava um salário razoável. Era sindicalizado, mas nunca quis ocupar cargo de direção. A mãe era de prendas domésticas, das mais prendadas. Participava de Pastoral e fazia excelente trabalho social, em favor dos mais necessitados, servindo a Deus e aos homens.
O inocente foi crescendo e recebendo duas orientações diferentes, ambas, contudo, levando-o a caminhos parecidos. A mãe ensinou a ter amor e caridade, como ensinou seu xará, Jesus Cristo. O pai fê-lo entender que os homens e mulheres do mundo inteiro devem viver em paz e fraternidade. Ambos o ensinaram a repartir o pão. Ambos o ensinaram que os homens são todos irmãos, por Deus ou pela dialética.
Aprendeu e foi um bom menino e um homem de bem. Foi ainda mais longe. Jamais quis receber alguma coisa pelo bem que praticava. Acreditava que o bem se satisfaz por si próprio. Se fizesse o bem para ganhar o céu, se andasse direito para ser promovido no emprego, se espalhasse boas palavras para conduzir multidões, estaria trabalhando em causa própria.
O bem praticado em troca de alguma coisa não é bem. Fiel a esse pensamento, nunca teve uma religião, e nunca aderiu a qualquer ideologia ou partido político.
Assim viveu, como um santo ou um filósofo. Nunca teve nada, mas encheu o mundo de idéias e de filhos. As idéias, como todo pensamento generoso, foram esquecidas ou deturpadas. Os filhos cresceram e se multiplicaram em netos. Nenhum puxou ao pai ou ao avô. Todos foram criaturas normais e mais ou menos felizes, mais ou menos infelizes, contribuindo para que o mundo continuasse a girar na mesma órbita.
Como tudo que é mortal, Jesus Trotsky morreu, velho, pobre, mas realizado. Foi para o Inferno. Deus achou que tanto desapego era petulância.


texto escrito por Castelo Hanssen; retirado do blog:

http://castelohanssen.blogspot.com/

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Conexão




série: Livro da Aline.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

- já. já nasceu o meu siso. tenho agora dentes novos para morder o concreto que me serca.
foram essas as palavras entusiasmadas ditas por uma boca sem juízo.


pirenco

terça-feira, 12 de julho de 2011

Às 107 cores de Pablo Neruda

O pura substância - nome que foi retirado dum poema do aniversariante - se vê nesta data, 12 de julho, no prazeroso compromisso de rabiscar essa tela com as cores do sangue latino de Pablo Neruda. Se o poeta chileno, peruano, boliviano, argentino, venezuelano, uruguaio, cubano, mexicano, brasileiro, latino, de todo o mundo, estivesse vivo, hoje, completaria exatos 107 anos; nosso sangue oprimido e nosso amor pelo humano terno, que não explore nem oprima, resgatam os belos poemas de Neruda e os põe na realidade cinza, neoliberal, dos tempos atuais. É com infinito deleite que a tela do pura substância será colorida hoje com um dos muitos poemas de Neruda; esperamos que as cores que vossos olhos projetarem dêem contribuições na construção colorida duma nova america-latina, nova áfrica, nova ásia, novo mundo; que as 107 cores do poeta nos auxilie no combate às injustiças dos opressores. Neruda vive nos corações que batem na melodia do amor, da ternura, da justiça, da revolução.


(...)não sou mais que um poeta: amo todos vós,
ando errante pelo mundo que amo:
em minha pátria encarceram mineiros
e os soldados mandam nos juízes.
Porém eu amo até as raízes
de meu pequeno país frio.
Se tivesse que morrer mil vezes
lá quero morrer:
se tivesse que nascer mil vezes
lá quero nascer,
perto da araucária selvagem,
do vendaval do vento sul,
dos sinos recém-comprados.
Que ninguém pense em mim.
PENSEMOS NA TERRA TODA,
BATENDO COM AMOR NA MESA.
Não quero que volte o sangue
a empapar o pão, os feijões,
a música: QUERO QUE VENHA
COMIGO O MINEIRO, A MENINA,
O ADVOGADO, O MARINHEIRO,
O FABRICANTE DE BONECAS,
QUE ENTREMOS NO CINEMA E SAIAMOS
PARA BEBER O VINHO MAIS RUBRO.

NÃO VENHO PARA RESOLVER NADA.

VIM AQUI PARA CANTAR
E PARA QUE CANTES COMIGO.

(fragmento do poema ''Que acorde o lenhador'')

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Uma dispensa qualquer, abandonada aos cuidados dos objetos de pouca utilidade e aos ratos famintos por liberdade. É esse o cenário de gritos que o seu interior murmura os cantos rubros. Onde, no segundo da hora rubro, as dores são apreciadas na escuridão empoeirada e motivadas pelas melodias dos rastejantes. Onde a lâmpada que há muito queimara nunca será substituída, continuará estática, imóvel, sem uso de claridade. E o cheiro, que apenas as narinas da invisível poderiam sentir, é de alcance galáctico.
Sem expressão, presa à dispensa, inala a poeira dos seus restos que o mundo finge não ter criado. A porta... trancada! Imagina janelas... porém, as chaves estão sob a posse dos maus tratos do carcereiro.
Por trás das vassouras existe vida que sempre esteve em suspiros, e vê-la na escuridão da dor é sentir seu coração que sangra lhe batendo preso à harmonia do corpo.
A dor na ausência do movimento vivo do corpo bate dia a dia e a musica ritmada pelos seios nutre a melodia das flores que respiram no escuro da dor.


pirenco

sábado, 2 de julho de 2011

Escrevo de um cárcere

Estou preso e com raiva; muita raiva. Aguardo a injeção que me tirará a vida. Não sei o que me deu na cabeça para escrever estas palavras... Talvez seja o desejo de não estar sozinho. As palavras são boas companhias. Tudo que sairá desta caneta creio que não será lido por nenhum mortal; caso isso não aconteça, e um inocente de alma propuser-se a ler o que escrevo, sugiro desde já: não me julgue pela pessoa que sou, e sim pelo amor a profissão que tive e posso dizer... Ainda tenho, mesmo nesta prisão com pouco espaço e quente; talvez a quentura não seja da cela e sim do meu corpo raivoso que aguarda o final.
Sempre fui um homem dedicado, exercia as funções que me eram dadas com o maior empenho possível. Quando criança, não via a hora de chegar da escola e fazer o dever de casa; quando terminava era a sensação mais prazerosa que podia sentir. Talvez o inocente leitor não sinta prazer em realizar uma tarefa destinada, está aí leitor, a nossa diferença. Creio que está ansioso para saber o motivo que me trouxe a este lugar, pequeno e agora frio. Mas digo-lhe, acalme-se, logo chegarei ao ponto que sua alma deseja.
Acalme-se. Acalme-se, deixe que meu corpo esfrie mais ao contar-lhe sobre minha mocidade. Quando tinha por volta dos meus quinze anos, as brincadeiras para mim eram de verdadeiro deleite – aquelas que eu brincava comigo mesmo. Nunca tive amigos, criar personagens imaginários e depois desejar matá-los, criando formas para isso, era a minha mais pura diversão. Meus pais... Prefiro não escrever sobre eles; Talvez o inocente leitor deva estar se perguntando: Por que não fala sobre os pais? Digo-lhe que sou mais forte, para encarar o fim, se estiver sozinho.
Quando atingi a idade para trabalhar, fui ao encontro da profissão que se enquadraria com a minha personalidade. Foi perfeito, amor à primeira vista, um grande e equipado matadouro de animais. A euforia era tanta que não me importei com o quanto iriam me pagar; o que eu queria era o mais rápido possível trabalhar. Foi assim, inocente leitor, que encontrei a profissão perfeita e logo comecei a amá-la. Na minha vida era morte e mais morte; todos os dias dezenas de animais passavam pelas minhas mãos. Eu era o mais dedicado profissional do matadouro. Até mesmo nos dias de folga não conseguia ficar sem matar, por isso trabalhava.
Depois de vinte anos de profissão... Fui dispensado das atividades. “Malditos sejam os vegetarianos” foi o que o meu patrão alegou justificando a minha dispensa. Inocente leitor, você não é vegetariano, não é?! Se for... interrompo aqui minha narrativa, pois você me trouxe a esta cela, agora quente. Quente de raiva.
Não! Creio que você não é a causa do meu fim. Continuarei.
Quando sai pela última vez do lugar que representava o céu vermelho mais lindo, estava – como agora – tomado de raiva, queria mostrar o meu trabalho, mostrar o quanto era bom na arte de matar; e para isso fui à casa do meu ex-patrão lhe mostrar o quanto a profissão me ensinou.
Toquei a campainha...duas ou três vezes, abriram a porta, era uma senhora de muita idade, talvez fosse sua mãe e logo atrás uma criança curiosa que a perguntava “Quem é vovó?” Identifiquei-me como funcionário e amigo do dono do matadouro. Pediram-me para entrar e aguardar a sua chegada. Entrei recusando o chá oferecido, sentei-me sentindo forte vontade de matá-las – queria mostrar ao ex-patrão, quando chegasse, o quanto aprendi. Fui rápido e eficiente como de costume. Ao sair deparei-me com o ex-patrão, ou pai, ou filho, como queira inocente leitor; e ao me ver com as mãos vermelhas saindo de sua casa, agarrou-se a mim pondo-me imobilizado no chão, chamou os vizinhos que logo notaram o que acontecia e... Ó leitor, este fato me deixa com raiva a ponto de interrompe as palavras.
Pronto! Estou aqui... Preso e com raiva, aguardando o meu fim.


pirenco